sábado, 9 de maio de 2009

Ficha de Leitura

Resgate considera pertinente estudar a problemática dos hábitos alimentares e o consumo de álcool, tabaco e outras substâncias durante a adolescência, porque «A aquisição e sedimentação de muitos dos comportamentos e hábitos (...) determinantes para a saúde na idade adulta ocorrem durante a infância e a adolescência.» Às grandes transformações físicas e psíquicas que ocorrem durante este período do desenvolvimento humano, acresce a necessidade de interacção com os amigos, cuja ausência de vigilância de adultos aumenta a probabilidade de desvios comportamentais, que poderão degenerar em abuso de drogas, doenças sexualmente transmitidas, violência social, abandono e insucesso escolar, suicídio e acidentes de viação. Dentre os factores influenciadores dos comportamentos, a autora incide o seu estudo sobre a família, a escola, o grupo de pares, tempo livre, religiosidade, etnicidade e aculturação, considerando que estes factores sócio-culturais têm potencial para infuenciar os hábitos de saúde e de lazer dos adolescentes, nomeadamente no que concerne ao consumo de tabaco, álcool e drogas ilícitas.

Através da aplicação de questionários a uma amostra de 288 alunos, entre os 10 e os 19 anos, de origem africana, asiática e portuguesa, sendo os portugueses e os angolanos detentores da representatividade, a autora constatou que os portugueses são os que mais consomem substâncias nocivas (álcool e tabaco) e se envolvem em situações violentas. Esta constatação parece corroborar a teoria de que os jovens pertencentes a culturas e etnias minoritárias, embora sujeitos à aculturação, desenraízamento, preconceito, racismo e frequentemente com condições de vida precárias, não apresentam forçosamente condutas desviantes, antes pelo contrário, os comportamentos negativos surgem com menos frequência. A qualidade do ambiente familiar, com bons modelos parentais que fazem sentir a autoridade através de regras consistentes e fortes laços, bem como a prática de actividades religiosas, culturais e sociais, parecem influenciar positivamente os comportamentos destes adolescentes.

Na verdade, este estudo revelou um sentimento de desacompanhamento por parte dos jovens portugueses, que aliado a um tipo de autoridade menos severa resultará no maior consumo de substâncias nocivas. Um indicador desta ausência de acompanhamento e de laços familiares débeis, é a sua identificação com figuras mediáticas, ao contrário do que acontece com os outros grupos, nomeadamente africanos, que valorizam as suas raízes e gostam de se parecer com os seus antepassados. A maioria dos jovens não portugueses mantêm os vínculos com o grupo de pertença, participam em actividades tradicionais, nomeadamente música e dança e aprendem a língua materna, como forma de ludibriar os problemas que a aculturação acrescenta aos já sentidos durante a complexa procura da reconstrução da identidade. No que diz respeito ao grupo dos jovens portugueses, o consumo televisivo parece ocupar grande parte do seu tempo livre, sendo, comparativamente com os outros grupos, o que menos actividades desenvolve e o que mais frequenta cafés e centros comerciais. Sem uma ocupação construtiva do tempo livre, aumenta a probabilidade de envolvimento em actividades negativas.

A escola, de um modo geral, é valorizada pelos jovens inquiridos, seja como um meio de fazer amigos, seja como um meio de melhorar de vida e de vir a ter uma boa profissão. No entanto, quando nos grupos minoritários o sentimento de desintegração e dificuldade da língua se associa a uma personalidade sensível, abre-se caminho para o insucesso e/ou abandono escolar. Perante este facto, a escola parece não estar a conseguir assegurar a democratização, com valorização das diferentes culturas e saberes e com a integração de jovens de origem minoritária num clima de respeito pela diferença, onde o professor tem um papel activo no incentivo aos jovens por estilos de vida saudáveis.

Na opinião destes jovens, são vários os motivos que podem desencadear o consumo de substâncias nocivas. Enquanto o álcool surge associado a festa e felicidade, o consumo de drogas ilícitas associa-se ao prazer que os seus efeitos proporcionam e ao desconhecimento dos perigos. Outros motivos são o querer mostrar adultez; o sentimento de marginalização; problemas familiares, incluindo consumo pelos familiares; problemas financeiros; insucesso escolar e a disponiblidade de substâncias nos locais que frequentam. Ainda segundo estes jovens, a resolução do problema depende de atitudes individuais e só depois do governo, com a facilitação de informação de qualidade na televisão e nas escolas.

Comentários Pessoais
Embora, este estudo de 2001 aponte para jovens felizes com o seu presente e com planos para o futuro, creio que a insatisfação dos jovens tende a crescer paralelamente à actual crise de desemprego que faz perspectivar um futuro profissional pouco animador. Esta realidade poderá aumentar os comportamentos de risco para a saúde física e mental dando início ao consumo de drogas ilícitas.

Resgate postula intervenções específicas de acordo com as características étnicas e culturais, mas seria também importante, como defende Jessor (cit. por Martins 2005) fazer intervenções de carácter global que visassem sobretudo a melhoria dos estilos de vida e das práticas escolares. Quanto ao estilo de vida, seria importante haver adultos mais disponíveis, famílias mais coesas, ocupação positiva dos tempos livres com actividades culturais, desportivas e ou religiosas. Quanto às escolas, torna-se premente ultrapassar a visão monocultural em que a organização escolar e a sua transmissão de conteúdos ainda se encontra envolta e desenvolver práticas multiculturais e multiétnicas com estratégias pedagógicas de trabalho cooperativo, onde se respeita e se dá a conhecer a diferença, buscando, como salientaram os jovens inquiridos, os valores da amizade e da solidariedade.



Autor do Artigo: Isabel Resgate (2001)
Título do Artigo: Diversidade e comportamentos juvenis
Um estudo dos estilos de vida de jovens de origens étnico-culturais diferenciadas em Portugal
Fonte: Análise Psicológica. [online]. jul. 2001, vol.19, no.3 [citado 03 Maio 2009], p.345-364. Disponível na World Wide Web: http://www.sc

Referências bibliográficas

MARTINS, Maria José D.Condutas agressivas na adolescência: Factores de risco e de protecção. Análise Psicológica. [online]. abr. 2005, vol.23, no.2 [citado 05 Maio 2009], p.129-135. Disponível em: http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-82312005000200005&lng=pt&nrm=iso . ISSN 0870-8231.

MOREIRA, António, CANDAU, Vera. Educação escolar e cultura(s):Construindo caminhos. Revista Brasileira de Educação. Maio/Jun/Jul/Ago2003, nº23, pp156-168
ielo.oces.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-82312001000300001&lng=pt&nrm=iso ISSN 0870-8231.

segunda-feira, 30 de março de 2009


5 Questões pertinentes acerca do Desenvolvimento Humano


1. O desenvolvimento do indivíduo é determinado pelo seu genótipo?

2. Qual a influência dos factores ambientais na formação do ser humano?

3. Que importância assumem as "crises" no desenvolvimento psíquico do indivíduo?

4. Que papel assume o sujeito no seu próprio desenvolvimento?

5. Até que ponto as teorias implícitas influenciam a acção pedagógica e a escolha de métodos pelo professor, interferindo com o desenvolvimento dos seus alunos?
Ditado Popular X Psicologia do Desenvolvimento


Os ditados populares surgem espontaneamente de experiências e necessidades quotidianas, reflectindo a sabedoria do povo e, sobretudo, as suas crenças e tradições. Todos os ditados populares emergem num contexto sociocultural e histórico que é preciso não negligenciar, perspectivando-os como um conhecimento fragmentado, restrito e por isso mesmo impossível de ser generalizado. Neste enquadramento, é fácil perceber o porquê da existência de provérbios completamente antagónicos, repletos de ambiguidade que reflectem interesses, valores e emoções e classificam comportamentos e atitudes numa linguagem imprecisa carente de especificidade.

Apesar de tudo, as crenças do senso comum enraízadas nos valores e necessidades quotidianas, parecem prevalecer sobre o conhecimento científico apresentando uma continuidade ao longo do tempo que não nos pode ficar indiferente. Esta longevidade constitui um alerta para a importância de consciencializar os profissionais da educação para a influência deste tipo de saber empírico e subjectivo que nunca foi sujeito a qualquer tipo de verificação e que não raras vezes contradiz o saber científico e interfere na nossa vida profissional e pessoal.

Não será concerteza difícil enumerar uma série de ditados com os quais podemos estabelecer associações com o desenvolvimento humano e que contradizem em parte ou na totalidade teorias científicas. Pau que nasce torto jamais se endireita; Filho de peixe sabe nadar; De pequenino é que se torce o pepino; Tal pai, tal filho....

Tomemos como exemplo este último que de imediato relacionei com a infância, talvez por constatar que efectivamente nesta fase as crianças constituem um espelho das atitudes e comportamentos daqueles que lhes são mais próximos. Mas, como qualquer ditado popular a falta de especificidade da linguagem utilizada transmite a ideia de que todos os filhos são iguais aos pais. Mas então!? São iguais relativamente a qualidades físicas, psicológicas e/ou comportamentais?; São iguais em qualquer etapa da vida?; A socialização secundária não interfere em nada no desenvolvimento psíquico dos indivíduos?


Perante estas dúvidas e numa primeira análise poderíamos estabelecer um paralelismo com a perspectiva inatista do desenvolvimento que postula o património genético como factor determinante na constituição física e psíquica dos indivíduos e consequentemente na sua personalidade e desenvolvimento, reduzindo a socialização a um simples aprimorar do que já é inato. No entanto, numa segunda análise, poderíamos estabelecer uma conexão com a perspectiva ambientalista que postula a importância das experiências e dos estímulos externos na construção do “eu”, ou seja o indivíduo é percepcionado como produto do meio, mas na leitura de Tal pai, tal filho, seria produto exclusivo da influência do progenitor.


Assim, poderíamos considerar que esta ideia do senso comum espelha a importância do património genético e do património cultural no desenvolvimento humano, salientando a influência dos relacionamentos e da figura dos adultos significativos no desenvolvimento das crianças, mas sub-releva o papel activo e dinâmico do sujeito no seu próprio desenvolvimento e na construção da sua identidade influenciado não só pelos pais, mas pela família alargada, pela escola, pela comunidade e pelas experiências ao longo de toda a sua existência, podendo-se distanciar da herança cultural transmitida pela família nuclear.

Efectivamente, a concepção do desenvolvimento humano que predomina actualmente, postula que cada um de nós é o produto da sua herança genética e das interacções que estabelece com o meio, mas também lega ao próprio indivíduo a responsabilidade de participar activamente na construção da sua individualidade. Portanto, Tal pai, tal filho distancia-se de uma concepção construtivista e interaccionista do desenvolvimento, na medida em que não contempla as mudanças qualitativas que o ser humano sofre ao longo de toda a sua existência. Mudanças que se traduzem em reconstruções da individualidade e se reflectem nas formas de pensar, sentir e agir podendo desencadear novos modos de percepcionar o mundo e de viver nele.

Com esta reflexão, concluo a pertinência de consciencializar todos os actores da educação da influência do senso comum nas nossas interacções quotidianas, mas sobretudo a premência dos profissionais da educação adoptarem uma atitude crítica e auto-crítica face a este tipo de conhecimento empírico, adoptando concepções do desenvolvimento humano fundamentadas em teorias científicas, de modo a desenvolverem uma pedagogia construtivista, interactiva, motivacional e metacognitiva que promova o desenvolvimento cognitivo e psicossocial dos seus alunos.
Psicologia do Desenvolvimento X Educação ao longo da vida

A psicologia do desenvolvimento constitui uma área de estudo da psicologia que se debruça sobre as contínuas mudanças psíquicas que ocorrem nos indivíduos ao longo da vida, resultantes da interacção de múltiplos factores (biológicos, psicológicos, sociais, afectivos, culturais). Estuda, portanto, um muito complexo processo epigenético que ocorre em cada ser humano desde a concepção até à morte.

Contudo, tempos houve em que valorizou o estudo da infância e da adolescência, devido à predominância de mudanças visíveis, em detrimento do estado adulto, ao qual se associava uma certa estabilidade. Foi em meados do séc.XX com a teoria psicossocial de Erikson, a qual postula o desenvolvimento dividido por estádios durante toda a existência do indivíduo, que se assumiu definitivamente que o desenvolvimento biopsicológico não pára na idade adulta.

Esta concepção do desenvolvimento, com valorização de todas as etapas da vida, acompanha as transformações profundas que o progresso tecnológico e científico imprimiu nas sociedades ocidentais. Agora, a maior esperança de vida associa-se a exigências de adaptação e a novos papéis sociais que implicam constantes mudanças qualitativas e quantitativas nos indivíduos, resultando em sucessivas reconstruções do "eu".

Se nos reportarmos ao domínio profissional, é impensável, nos tempos actuais, considerar que os conhecimentos adquiridos durante a educação básica sejam suficientes e imutáveis durante toda a vida. Os saberes e as competências tornam-se rapidamente obsoletas, exigindo uma formação profissional e uma reciclagem permanente. Ao que parece, à luz da psicologia do desenvolvimento, o ser humano encontra-se preparado para estas novas exigências, pois uma das características que o diferencia dos outros animais é a sua plasticidade e flexibilidade que lhe dá uma capacidade ilimitada de aprendizagem ao longo da vida. Na realidade, o ser humano nasce quase despojado de comportamentos inatos, ficando obrigado a aprender para sobreviver. Esta sua capacidade de aprendizagem associada ao prazer pela exploração do meio e à sua adaptabilidade justifica a actual concepção de educação ao longo da vida perspectivada quer através do ensino formal, quer do informal.

Neste âmbito, creio ser pertinente referir algumas das conclusões de Delors et al, relativamente à educação contínua e global. Para estes, toda a sociedade tem responsabilidades educativas, pois «tudo pode ser ocasião para aprender e desenvolver talentos»[1] e todos têm um papel activo na educação, sendo desejável o abandono de posturas passivas. Efectivamente, a Educação não é só aquisição de conhecimentos, nem ocupa uma só etapa da vida, é cada vez mais importante a complementaridade entre os vários espaços educativos (família, comunidade, escola, meios de comunicação, empresas, instituições, associações....) e assentar em quatro indissociáveis e articuláveis aprendizagens. Aprender a Conhecer o mundo adquirindo uma cultura geral vasta e, simultaneamente, conhecimentos mais profundos em determinadas matérias, estando subjacente o aprender a aprender, cujo exercício da atenção, da memória associativa e do pensamento são áreas a não descurar; Aprender a fazer, ou seja conseguir pôr em prática os conhecimentos científicos e os de índole social, como a capacidade de comunicação, de trabalho em grupo, de gestão e resolução de conflitos; Aprender a viver juntos que consiste na resolução pacífica de conflitos, na compreensão e aceitação da diferença cultural, étnica, de opinião e na percepção da interdependência étnica e grupal subjacente ao convívio social; Aprender a ser, diz respeito ao desenvolvimento da pessoa como um todo, onde cada um aprende a ser autónomo e responsável pelas suas atitudes, a ter sentido crítico e a desenvolver as suas potencialidades físicas, sociais, intelectuais e artísticas.

Perante esta visão alargada da educação que ultrapassa a visão meramente instrumentalista há muito instaurada, podemos inferir que esta concepção da Educação global e contínua alicerça-se numa concepção interaccionista e construtivista do desenvolvimento humano, na medida em que defende o papel activo do sujeito na construção do seu conhecimento e personalidade, mas também a importância da interacção com os outros e com todo o meio envolvente.

Esta educação conduzirá o sujeito a um processo de desenvolvimento interior «cujas etapas correspondem às da maturação contínua da personalidade»[2]. Por outras palavras, a Educação Global ao longo da vida provoca mudanças contínuas e descontínuas no indivíduo sinónimas de reorganizações mentais que lhe permitirão atingir o auto-conhecimento, realização pessoal e redescobrir o mundo e os outros.

[1], [2] Delors, Jacques et al.(1996), Educação: Um Tesouro a Descobrir, Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, p.101,187