segunda-feira, 30 de março de 2009

Ditado Popular X Psicologia do Desenvolvimento


Os ditados populares surgem espontaneamente de experiências e necessidades quotidianas, reflectindo a sabedoria do povo e, sobretudo, as suas crenças e tradições. Todos os ditados populares emergem num contexto sociocultural e histórico que é preciso não negligenciar, perspectivando-os como um conhecimento fragmentado, restrito e por isso mesmo impossível de ser generalizado. Neste enquadramento, é fácil perceber o porquê da existência de provérbios completamente antagónicos, repletos de ambiguidade que reflectem interesses, valores e emoções e classificam comportamentos e atitudes numa linguagem imprecisa carente de especificidade.

Apesar de tudo, as crenças do senso comum enraízadas nos valores e necessidades quotidianas, parecem prevalecer sobre o conhecimento científico apresentando uma continuidade ao longo do tempo que não nos pode ficar indiferente. Esta longevidade constitui um alerta para a importância de consciencializar os profissionais da educação para a influência deste tipo de saber empírico e subjectivo que nunca foi sujeito a qualquer tipo de verificação e que não raras vezes contradiz o saber científico e interfere na nossa vida profissional e pessoal.

Não será concerteza difícil enumerar uma série de ditados com os quais podemos estabelecer associações com o desenvolvimento humano e que contradizem em parte ou na totalidade teorias científicas. Pau que nasce torto jamais se endireita; Filho de peixe sabe nadar; De pequenino é que se torce o pepino; Tal pai, tal filho....

Tomemos como exemplo este último que de imediato relacionei com a infância, talvez por constatar que efectivamente nesta fase as crianças constituem um espelho das atitudes e comportamentos daqueles que lhes são mais próximos. Mas, como qualquer ditado popular a falta de especificidade da linguagem utilizada transmite a ideia de que todos os filhos são iguais aos pais. Mas então!? São iguais relativamente a qualidades físicas, psicológicas e/ou comportamentais?; São iguais em qualquer etapa da vida?; A socialização secundária não interfere em nada no desenvolvimento psíquico dos indivíduos?


Perante estas dúvidas e numa primeira análise poderíamos estabelecer um paralelismo com a perspectiva inatista do desenvolvimento que postula o património genético como factor determinante na constituição física e psíquica dos indivíduos e consequentemente na sua personalidade e desenvolvimento, reduzindo a socialização a um simples aprimorar do que já é inato. No entanto, numa segunda análise, poderíamos estabelecer uma conexão com a perspectiva ambientalista que postula a importância das experiências e dos estímulos externos na construção do “eu”, ou seja o indivíduo é percepcionado como produto do meio, mas na leitura de Tal pai, tal filho, seria produto exclusivo da influência do progenitor.


Assim, poderíamos considerar que esta ideia do senso comum espelha a importância do património genético e do património cultural no desenvolvimento humano, salientando a influência dos relacionamentos e da figura dos adultos significativos no desenvolvimento das crianças, mas sub-releva o papel activo e dinâmico do sujeito no seu próprio desenvolvimento e na construção da sua identidade influenciado não só pelos pais, mas pela família alargada, pela escola, pela comunidade e pelas experiências ao longo de toda a sua existência, podendo-se distanciar da herança cultural transmitida pela família nuclear.

Efectivamente, a concepção do desenvolvimento humano que predomina actualmente, postula que cada um de nós é o produto da sua herança genética e das interacções que estabelece com o meio, mas também lega ao próprio indivíduo a responsabilidade de participar activamente na construção da sua individualidade. Portanto, Tal pai, tal filho distancia-se de uma concepção construtivista e interaccionista do desenvolvimento, na medida em que não contempla as mudanças qualitativas que o ser humano sofre ao longo de toda a sua existência. Mudanças que se traduzem em reconstruções da individualidade e se reflectem nas formas de pensar, sentir e agir podendo desencadear novos modos de percepcionar o mundo e de viver nele.

Com esta reflexão, concluo a pertinência de consciencializar todos os actores da educação da influência do senso comum nas nossas interacções quotidianas, mas sobretudo a premência dos profissionais da educação adoptarem uma atitude crítica e auto-crítica face a este tipo de conhecimento empírico, adoptando concepções do desenvolvimento humano fundamentadas em teorias científicas, de modo a desenvolverem uma pedagogia construtivista, interactiva, motivacional e metacognitiva que promova o desenvolvimento cognitivo e psicossocial dos seus alunos.

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